Os Humanos do Orkut

Uma análise antropológica dos seres que habitam o orkut!

Necrorkut - Morte

Written by Ombudsman on 12:51 AM

O encontro foi marcado na frente de uma ferroviária antiga, no interior de São Paulo. Menos mau, achei que seria num cemitério. Às 11 em ponto, um Palio chega com um rapaz de uns 23 anos, de calça jeans, camiseta branca e uma namorada loira e bem bonita. Ele se chama Guilherme Dorta, é analista de sistemas, mora em Sorocaba, malha nos fins de semana, não fuma, bebe socialmente... Enfim, um cara normal, não fosse, digamos, seu hobby um pouco excêntrico: o interesse pela morte! Guilherme é o fundador de uma das comunidades mais polêmicas do orkut: "Profiles de Gente Morta". Ok, primeiro vamos deixar claro o que é um profile pra quem ainda não sabe. Toda vez que uma pessoa entra como membro do orkut, um gigantesco site de relacionamentos, ela preenche um perfil (profile) onde põe todos os seus dados: sua idade, se está solteira ou não, do que gosta, do que não gosta, suas fotos, as fotos dos amigos, suas comunidades favoritas, enfim… O que Guilherme observou é que, se de repente essa pessoa morre, e ninguém tem sua senha, o profile dela fica vagando pelo orkut como se nada tivesse acontecido, como a lenda daquele navio fantasma, o "Holandês Voador" (que dizem que navega até hoje pelos mares com uma tripulação fantasma). Agora, o mais curioso é que quando essa pessoa vai desta para melhor acontece um transe coletivo e todos os amigos e até familiares correm para deixar uma mensagem de despedida, um desabafo no profile do morto, como se ele pudesse ler (e vai que pode…).
Sentada na lanchonete, tomando um dos melhores frapês de coco da minha vida, tentei extrair do Guilherme o porquê da sua atração pelo lado de lá, pelo inominável. Ele disse que era assim desde adolescente, que aos 14 anos não perdia o documentário Faces da Morte, que sempre parou o carro para ver um acidente na estrada e que entra numa boa no site www.ogrish.com, que tem (cruzes!) fotos e vídeos de gente esbagaçada em acidentes. Mas, na verdade, a curiosidade pelo tema morte não é exclusividade do Guilherme. Atualmente, 10 mil pessoas estão associadas à comunidade dele. O que é mais louco: esse número não pára de crescer. Após dois meses de pesquisa dentro da comunidade, pude ver os dois lados da moeda. O bom é que cada vez mais gente está falando naturalmente sobre esse assunto amedrontador, começando até a dar mais valor para a vida, já que de um dia para o outro o cara de preto com a foice na mão pode te fazer uma visitinha surpresa (e não adianta dizer que não está ou botar uma vassoura atrás da porta). O lado ruim é a triste constatação de que a maioria dos profiles de gente morta é de jovens (entre 15 e 25 anos) que morreram ou de acidente de carro ou - pasmem! - de suicídio. Sim, amigo: como você, eu não tinha a menor idéia de que havia tantos jovens suicidas no Brasil. Os motivos são variados: briga com a namorada, com o pai, depressão e coisas do gênero. A morte por suicídio é a que dá mais ibope na comunidade, mas também é a que causa mais revolta. Ninguém se conforma e alguns membros chegam a deixar mensagens no perfis dos suicidas (mesmo sem conhecer) altamente inconformadas e, às vezes, até agressivas. Morte por acidente também dá um certo ibope, já fim da linha por câncer ou leucemia não dá tanto, provavelmente porque não são falecimentos de uma hora para a outra. O que choca mesmo é o "de repente", o "num minuto sim, noutro não". De fato, muito triste.
Quando visitar a comunidade (e atenção às imitações, porque tem muita comunidade meia-boca tentando plagiar a do Guilherme), você vai perceber que não faltam fatos curiosos. Por exemplo, a maior "fornecedora" de novos tópicos para a comunidade é a Silvia Moreira, baiana alto-astral para caramba que ganha a vida com um site de matrimônio (gente que está em busca da sua alma gêmea, e não penada). Para atualizar a comunidade, Silvia lê os obituários no jornal, notícias de acidentes ou de assassinatos (como o da rapaz que foi esfaqueado pelo colega da USP). Depois é só ver se a pessoa está ou não no orkut. "Urubu"? "Morbidez"? "Pacman de defunto"? Duvido que qualquer um desses singelos adjetivos seja correto quando tentamos explicar a atração de alguns pelo temido tema. Confesso que a comunidade tem algo de viciante e que alguma coisa realmente nos atrai quando sabemos dos motivos que levaram uma pessoa ao fim da linha. Vou contar alguns (apenas alguns, porque são vários!!) dos casos mais chocantes (optei por usar iniciais para poupar as famílias das vítimas):
M.B.A., 22 ANOS > Encontrado morto junto com uma garota de programa em um quarto de motel em Campo Grande. Mas o que impressiona é que ela foi estrangulada e ele estava morto sem nenhum ferimento no corpo. Falaram em homicídio seguido de suicídio. E o mais bizarro é que a comunidade investigou tanto que chegou à conclusão, antes da polícia, de que se tratava de duplo homicídio. E foi mesmo!
F.G., 15 ANOS > Escreveu o nome da exnamorada com canivete no braço e depois filmou a própria morte (se atirando pela janela) com uma webcam.
A.P.G.,. 35 ANOS > Matou-se um mês antes de o filho nascer e deixou uma breve carta de despedida para os amigos no orkut dizendo que tinha tomado essa decisão, mas que estava bem (bem???).
M.B., 20 ANOS > Uma garota linda que armou barraco numa boate no Guarujá, foi perseguida pelos leões-de-chácara e morreu num capotamento. O dono da boate está foragido.
S.R.D., 18 ANOS > Fundou uma comunidade meio racista no orkut e começou a sofrer ameaças de grupos anti-racistas extremistas. O garoto levou na brincadeira, os caras não. Foi morto a facadas na rua, perto de casa.
S.D., 12 ANOS > Suicidou-se com um tiro depois de ser humilhada na escola. O perfil dela virou uma espécie de profile maldito porque muita gente começou a ter pesadelos ou ver imagens de outro mundo depois de visitar sua página. Cheguei a dar uma olhada lá, mas não vi nada disso, mesmo porque dormi durante uma semana com a luz acesa e com uma faca Ginsu do lado.

OS ENGRAÇADINHOS
Mesmo diante de histórias trágicas como essas, ainda existem os espirituosos que inventam personagens só pra deixar mensagens detonando a pessoa que morreu. Coisa light do tipo: "Pô, bala de revólver tá cara", ou "Mais um que virou patê". É de doer, mas a gente já sabe que tem louco pra tudo nessa vida. A morte existe, taí, tá perto, mas prefiro me juntar à turma dos otimistas, que fundaram uma outra comunidade: "Ainda não morri nessa vida". Sim, porque a moda agora é os espertinhos deixarem scraps nos perfis dos amigos fingindo que eles (os amigos) morreram só pra ver a reação da galera. Pode?
MAS, AFINAL, POR QUE A MORTE APAVORA E AO MESMO TEMPO ATRAI TANTO?Quem responde é o psicanalista André Camargo Costa, criador do workshop "Aprender a morrer": "A expectativa de simplesmente apagar-se, deixar de existir, é bastante sombria para quem riu, chorou, amou, sonhou. Se a experiência da morte resume-se a isso, então nosso medo é plenamente justificável. Sem falar que você morre e o mundo continua aí. Além disso, morremos em hospitais, solitários e afastados de tudo o que amamos, sem ter a quem ou a que recorrer. Então nosso corpo duro fica preso num caixão apertado e é enterrado. Frio, escuro, sem ar. Sem saída. Entra em decomposição. E tem os vermes. Depois, caveira, dentes, cabelos, unhas. E só. Ponto final. Num mundo materialista como o nosso, é inevitável que a perspectiva da morte esteja coberta de profundo desamparo. Mas por que então a curiosidade? Tudo o que gera medo tende a gerar atração. Em parte, a curiosidade é uma forma de negar o pavor. Fora isso, conhecer é uma forma de controlar. Procurar profiles, fotos de cadáveres e relatos de mortes horrorosas na internet funciona como uma espécie de incorporação daquilo que nos escapa e nos submete irremediavelmente. Pode parecer mórbido mas, no fundo, a curiosidade acerca da morte é apenas uma tentativa de elaboração da própria. Afinal, não é fácil aceitar - quer estejamos preparados, quer não - que um dia todos devemos morrer." ::


matéria da VIP: http://vip.abril.com.br/aberto/materia_1_12672.shtml

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  1. 1 comentários: Responses to “ Necrorkut - Morte ”

  2. By Anônimo on 14 de dezembro de 2007 às 16:23

    estupefada/foi a palavra q encontrei para esse artigo.como pode o 'ser''humano'ou um ser 'bestial'fazer essa invasao num site onde seu dono faleceu? usar o nome da falecida(o)dessa forma?artigo 171 e pouco/13? jamais pois nem louco faria tao barbarie/fico ca com meus botoes pensando q qto mais eu conheço os homens...mais admiro os animais...dai pro fim do mundo ta faltando pouco ousera que ja estamos no fim do mundo e nao percebemos ?VIVA NOSTRADAMOS//////

Proposta

Este blog tem como objetivo expor e tentar analisar as relações sociais e a interferência cultural entre os seres que habitam o orkut.




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